Ao apagar das luzes da campanha eleitoral mais insossa de todos os tempos, onde tudo e nada foi debatido, muito revelador foi o silêncio dos candidatos sobre a explosiva problemática carcerária. Nem foram capazes de inseri-la no contexto das propostas superficiais de enfrentamento da violência. Aconteceu também no primeiro turno apesar da presença de mais candidatos. O pouco que de concreto apareceu não passou do batido engodo das construções de novos presídios de segurança máxima. Bem ao gosto da opinião pública que, mesmo tendo consciência da gravidade do problema, prefere removê-lo. Quanto menos o debate se interessou da reforma do judiciário, assunto reservado aos deuses daquele Olimpo. No fundo, cadeia a mais, cadeia a menos, este é um assunto que não rende voto. Só se for para a chamada “turma da bala” quando apregoa a pena de morte e trabalhos forçados na prisões. Ausente na pauta eleitoreira, tudo indica que nada de significativo será pensado para os próximos anos.
Enquanto isso, a explosão dos fogos pirotécnicos que iluminarão Brasília no dia primeiro de janeiro próximo, poderá coincidir com o “meio milionésimo” réu atrás das grades. Mas, a quem interessa saber que, dentro de poucos meses, a população carcerária no Brasil alcançará o recorde de meio milhão de presos?
Não haverá novidade, então, a não ser a continuidade da política do ”fazer de conta”. A polícia fazendo de conta que estará prendendo, o delegado que estará investigando e o juiz cumprindo como a lei manda. A vítima receberá em troca a justiça que queria, e a sociedade fará de conta de se sentir mais segura pois, quanto mais bandidos atrás das grades, mais segurança para todos.
E o interminável jogo do “fazer de conta” não tem fim. Para os responsáveis últimos pela custódia dos detentos não haverá outro jeito a não ser fazer de conta que a massa carcerária está sendo ressocializada e, finalmente, calculado matematicamente o vencimento legal da pena, caberá ao meritíssimo senhor juiz devolver à sociedade o criminoso de ontem, agora cidadão, porque pagou com a prisão a que devia.
Mas existe um porém. Por que levar à sério o período da pena aplicada em nome da lei, quando os próprios responsáveis pela execução penal são os primeiros a transgredirem sistematicamente a Lei de Execução Penal? Ao apenado então, que nada tem de bobo, não restará outra saída a não ser participar deste jogo comum e fazer de conta também. Se assim não fosse não teríamos uma reincidência beirando ainda 80%. Exceções existem, não resta dúvida.
Após a ressaca das urnas, alguém vai tirar do esquecimento a triste realidade de uma população carcerária de quase meio milhão de brasileiros e começar a desarmar a bomba relógio na qual se transformou o sistema penitenciário, prestes a explodir? Se há superlotação, não é devido unicamente ao crescimento da criminalidade. Se assim fosse, bastaria continuar a construir presídios e mais presídios. É o que sempre fizemos e sem sucesso. Será que uma jurisprudência um pouco mais moderna, menos punitiva e mais restaurativa não poderia oferecer a muitos que transgridem a lei alguma outra sentença que não seja exclusivamente a prisão? E, quando a prisão for mesmo necessária, o que fazer com meio milhão de brasileiros que vegetam, anos a fio, na mais destruidora ociosidade, terreno fértil para todo o tipo desvios?
Saídas existem e muitas. Umas até estão sendo ensaiadas aqui acolá, ainda que timidamente. O recente Mutirão Carcerário promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi com certeza uma iniciativa louvável. Mas precisamos torcer para que, um dia, a política das execuções penais seja o resultado de um grande mutirão multidisciplinar onde o Judiciário e a Segurança Pública não sejam mais os únicos sujeitos do planejamento das práticas penitenciárias.
Eu me lembro da abertura do mutirão carcerário lá no Tribunal,tão bonitos os trabalhos manuais dos presos e presas, por que é que a imprensa insiste em não mostrar a vida e o bem que existe dentro das prisões?
ResponderExcluirInfelizmente me parece, e isso muito me entristece, que os governantes e autoridades promovem esses eventos para contentar superficialmente aos que acreditam em um mundo melhor. Como distribuir doces a crianças que pedem pão.