sábado, 23 de outubro de 2010

o deus de cada um



Bem que Jesus tinha ensinado: “Quando vocês rezarem, digam: Pai nosso...” (Lc 11, 2).  Que nada! “O fariseu, de pé, rezava assim no seu íntimo: Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens...” (Lc 18, 11). E dá-lhe reza, só para contar vantagens do tipo jejuar duas vezes por semanas e pagar o dizimo de toda a renda. Muito mais do que exigia o preceito que mandava  jejuar uma vez por semana. Enquanto ao dízimo, melhor não exagerar e ficar dentro do prescrito. Já naquele tempo não dava para se exceder na conversão do bolso.
 De qualquer forma, o fariseu era do bem e, se algum pecado ele tinha, com certeza não era o da hipocrisia. No caso, o pecado estava sendo tanto exagero de confiança na sua própria justiça. Ao ponto de pensar que, ao longo de sua existência, já tinha juntado um bocado de créditos perante Deus. Daí porque, para o bom fariseu, a salvação nada tinha a ver com a gratuidade de Deus. Cumpri minhas obrigações, mereço um prêmio e c´est fini! . Que pena: até que a oração do fariseu tinha engatado bem: “Ó Deus eu te agradeço...”.
O problema é que todo aquele que se auto-justifica só pode rezar errado. Seu olhar não está voltado para Deus, não se confronta com Ele, não espera nada d´Ele e nem precisa pedir algo a Ele. Olha para o seu próprio umbigo passa a se confrontar com os outros e, bota julgamento nisso! Nada de reza, nada de súplica, nada recebe algo por parte de Deus.
A essas alturas entra em cena o coitado do publicano cuja relação com Deus é diametralmente oposta à do fariseu do bem. Sem atrever-se a levantar os olhos para o céu, o publicano batia no peito dizendo: “Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador”. (Lc 18, 13). Nada de contar vantagens, nada de avançar direitos. Não tendo como se auto-justificar, só lhe restava confiar totalmente na bondade de Deus. Porque só Deus é do bem e mais ninguém.
Enfim: a única postura diante de Deus – na oração e antes disso na vida - é a de quem, a todo instante, sente a necessidade do perdão de Deus. Claro que temos que “produzir frutos de bem”, mas não é caso de “contar vantagens”. Nem para Deus, nem para os outros. Menos ainda querer confrontar a nossa santidade com à dos outros.
Há, esqueci! A meu ver, o que está em jogo na parábola acima não é tanto a metodologia da oração. (Inventaram até oficinas para ensinar a rezar!?). Sem excluí-la, o que está em jogo é a nossa maneira de conceber a vida - como um todo - em relação a Deus. A oração é só um “momento”, entre tantos outros que compõem nossa existência. A oração revela algo que vai muito além dela mesma. E ainda resta saber, quando rezamos, qual Deus temos na mente e no coração.   
A esse respeito, bem lembra escritor de contos Rubem Alves: “Há muitos deuses, cada um com a cara e o coração daquele que o tem dentro do peito. O Deus de São Francisco não era o Deus de Torquemada. São Francisco usava o fogo do seu Deus para aquecer a alma. Torquermada usava o fogo do seu Deus para churrasquear hereges em fogueiras que eram a diversão do povo”. Rezar, os dois rezavam.





Um comentário:

  1. Também gosto muito de Rubem Alves, caro amigo. É um poeta com os pés no chão. Um abraço.

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