quarta-feira, 9 de março de 2011

formação do laicato cristão: a cinderela da Igreja

No final de semana de Carnaval foi entregue ao Arcebispo de Fortaleza, Dom José Antônio Aparecido Tosi Marques, e ao Diretor Geral da Faculdade Católica de Fortaleza, Pe. Antônio Almir Magalhães, uma Carta Aberta sobre a Formação Teológico-Catequético-Pastoral dispensada ao Laicato Cristão, subscrita por cerca de 200 pessoas ligadas a pastorais, entidades e movimentos católicos, entre elas religiosas e sacerdotes. Também fazem parte da lista estudantes de credo luterano.


Ao Sr. Arcebispo de Fortaleza, Dom José Antônio Aparecido Tosi Marques,
Ao Diretor Geral da Faculdade Católica de Fortaleza, Pe. Antônio Almir Magalhães,
A todo o Povo de Deus que forma esta Igreja Particular:


Carta Aberta
sobre a
Formação Teológico-Catequético-Pastoral dispensada ao Laicato Cristão


INTRODUÇÃO
Somos cristãos e cristãs, entre leigos, religiosos e padres, que participam ativamente da caminhada eclesial e se engajam em diversas pastorais. Já há algum tempo, andamos preocupados com a Igreja de Cristo em Fortaleza quanto à maneira como vive sua missão evangelizadora no mundo de hoje. Particularmente, nos preocupa o preparo catequético-teológico dos “operários na Vinha”, agentes e testemunhas do Reino de Deus nas realidades seculares deste nosso mundo.
Desde o Concílio Vaticano II, a formação dos cristãos leigos encabeça a lista das prioridades para a Igreja Católica. Recentemente, fundou-se a Faculdade Católica de Fortaleza (FCF), com sede no Seminário da Prainha, como resultado de uma fusão dos dois institutos anteriores, a saber: o ITEP (Instituto Teológico-Pastoral do Ceará) e o ICRE (Instituto de Ciências Religiosas). Além da Faculdade contamos, há 40 anos, com a formação básica e avançada de catequistas pela ESPAC, seguindo a linha da Catequese Renovada. A tradição do concílio e das conferências episcopais latino-americanas de Medellín a Aparecida, bem como o testemunho profético de fé de figuras locais proeminentes como Pe. Cícero Romão, Dom Helder Camara e Dom Aloísio Lorscheider c o m p r o m e t e m, a nosso ver, os responsáveis por essa formação, especificamente a direção da FCF e seu chanceler, o Sr. Arcebispo. Essa tradição eclesial promove uma teologia latino-americana engajada na causa salvífico-libertadora do Evangelho mediante a opção pelos pobres, uma teologia católico-ecumênica e em contínuo diálogo crítico com o mundo atual e as ciências, uma teologia profundamente sintonizada com “as alegrias e esperanças, as tristezas e as angústias” de mulheres e homens em deparo com as grandes questões da nossa época.

   NOSSOS QUESTIONAMENTOS
No entanto, não é isso que vemos acontecer. Elencamos, em seguida, algumas observações baseadas em fatos recentes e perguntamos o que tais fatos podem significar para um projeto de formação humana e cristã de qualidade para o Povo de Deus:
*    Expectativas formuladas e esperanças suscitadas pela dinâmica ao longo da construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico (PPP), em 2006 e 2007, com a finalidade de alicerçar uma faculdade nova e unificada, encontram-se hoje, diante da realidade criada pela FCF e, em parte, imposta pelo MEC, frustradas porque engavetadas e esquecidas nos arquivos da instituição.
*    Surpreende-nos que cursos bem procurados de especialização [pós-graduação latu sensu] em psicologia da religião e ciências da religião simplesmente sumiram da agenda acadêmica e, além disso, lamentavelmente, um curso solicitado ao MEC de especialização em Bíblia e de graduação em ciências da religião não tem sido autorizado.
*    De 2009 ao presente momento está em curso, na FCF, uma radical reestruturação do quadro docente, justificada formalmente com a necessidade de saneamento financeiro e com a exigência, da parte do MEC, de uma titulação acadêmica adequada dos professores. Contudo, chama atenção o fato de que as demissões resultantes desta reestruturação atingiram quase exclusivamente teólogos leigos ou padres casados, reconhecidos por sua excelência na prática de ensino, engajados nas comunidades eclesiais e comprometidos com a fé da Igreja.
   Nota-se um esvaziamento progressivo de alunos, sobretudo no turno da noite (antigo ICRE). Ouvem-se muitas queixas sobre uma significativa queda na qualidade do ensino, nas disciplinas bíblico-teológicas. Respira-se um clima de preocupante desânimo entre discentes e docentes.
*    Mais alarmante, porém, parece-nos ser o crescente isolamento deste espaço de formação teológica. Constatamos atividades formativas não coordenadas, particularizadas e pontuais, para não falar do baixo teor reflexivo e da ingenuidade hermenêutica no estudo da Sagrada Escritura e dos documentos oficiais do Magistério. Após diversas tentativas de alertar os responsáveis acerca dessa situação perguntamo-nos, perplexos, para onde uma formação teológica tão defasada pretende levar o Povo de Deus de Fortaleza, sedento da palavra viva, encarnada na realidade e compreendida de forma madura?
*    Não podemos deixar de reconhecer neste conjunto de medidas uma tendência à clericalização da Igreja de Fortaleza. Nisso se encaixam fatos e tendências eclesiásticos como a substituição da antiga diretoria mista (padres-leigos) por uma chapa formada exclusivamente de clérigos e a adoção de atitudes que levantam suspeita de censura que pode comprometer a liberdade de pesquisa e de expressão na Academia. Tais retrocessos reabrem o fosso, existente no catolicismo pré-conciliar, entre clero e laicato, esfera sagrada e profana, fé e política, Igreja e mundo, graça e pecado. Diante disso, indagamos: Qual o perfil de cristão que a Igreja – e a Igreja somos todos nós – deseja formar para enfrentar os desafios da sociedade contemporânea, com sua efervescência religiosa confusa, de um lado, e seu espírito secularizado, individualista e consumista, do outro?
*    Sentimos necessidade de lembrar aos responsáveis pela formação teológica do Povo de Deus de Fortaleza, que a teologia só pode nascer da fé do povo servindo à Palavra de Deus que nos liberta de todas as escravidões e nos apaixona pela missão.
   Quanto à relação entre o clero e o povo cristão leigo, é bom não esquecermos que, de acordo com o Vaticano II, por causa do batismo, todos os cristãos usufruem de total igualdade, porque o Espírito Santo é o mesmo em Cristo e nos cristãos e que o “sacerdócio ministerial” não está acima do “sacerdócio régio” e muito menos acima da Palavra.

PALAVRAS FINAIS
Eis o que nos inquieta acerca do rumo que a formação do povo cristão, em Fortaleza, está tomando. Com esta Carta Aberta queremos chamar a atenção dos responsáveis diretos, mas também a de todos os fiéis – leigos, religiosos e padres –, corresponsáveis pelo sacerdócio batismal, para os perigos de uma formação cristã defasada e inadequada, caso queiramos cumprir a nossa missão transformadora no mundo de hoje. Convidamos todos para o debate franco e urgente dessas e de outras questões que dizem respeito à qualificação do nosso testemunho cristão. Tal debate se presta à construção de uma Igreja “Comunhão-e-Participação”, onde não prevalece o silêncio obsequioso e a uniformização, mas aquela unidade viva que representa toda a diversidade enriquecedora do povo e de sua fé.

Fortaleza, em fevereiro de 2011.

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