Em: O Povo
10.12.2011
"O transporte público, moderno, eficaz e barato é fundamental para garantir o direito a uma vida saudável nas cidades"
A sociedade moderna gerou uma profunda ruptura com as formas de sociedades anteriores e uma primeira de suas características consiste justamente no fato de que agora o mundo urbano se transformou no elemento determinante da vida social como um todo. Por sua vez, no interior do mundo urbano ocorreu um fenômeno de profundas consequências para vida humana: a ruptura entre a moradia e o trabalho.Isto levou as pessoas a criar espaços privados e isolados.
Os cientistas sociais apontam elementos positivos e negativos nesse processo; por um lado, trouxe uma maior liberdade e mais possibilidades das pessoas poderem dispor de seu mundo próprio; por outro lado, há o lado perverso do fenômeno: aumentou a segregação e a discriminação das pessoas a partir do lugar da moradia: a segregação social assume visibilidade geográfica.
A tendência é ir empurrando os pobres para lugares de pior qualidade de vida e distantes, obrigando essas populações a submeter-se a longos percursos utilizando-se de meios de transportes precários e penosos. De quanto tempo e em que condições precisa um trabalhador hoje para ir de seu lugar de moradia para o lugar do trabalho? Além disso, a entrada nos últimos anos de milhões de brasileiros no mercado de consumo e as regalias concedidas à produção do transporte individual provocaram uma explosão de veículos que hoje tornam a mobilidade em nossas cidades tremendamente deficiente com custos muito altos financeiros e sociais.
Esse quadro mostra o quanto é fundamental para a qualidade de vida uma política de mobilidade urbana capaz de enfrentar esses novos desafios. A questão central aqui é a possibilidade oferecida a toda a população de ter acesso ao trabalho, aos serviços essenciais e ao lazer. O transporte público, moderno, eficaz e barato é fundamental para garantir o direito a uma vida saudável.Além disso, a escolha do transporte público ecologicamente correto é certamente um passo muito importante na direção de um modelo alternativo de desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente responsável.
Esse objetivo, que é objeto de reivindicação de movimentos sociais em nosso país, choca-se com um problema de extrema gravidade: no mais das vezes afirma-se ser necessário remover populações para a execução dessas obras. Essas situações são, sob muitos aspectos, muito dolorosas e só podem ser legitimadas se não trouxerem consigo negação de direitos também eles fundamentais para uma vida decente. Quem reflete sobre esta situação no horizonte da afirmação fundamental da dignidade humana não pode partir de uma cultura de indiferença ao mundo pobre, mas sabe que a cidade deve estar a serviço de uma convivência solidária de todos aqueles que nela habitam o que só se efetiva pela convergência dos esforços para tornar a cidade autenticamente humana. O meio certamente mais adequado para encontrar uma saída justa à conciliação de duas esferas de direitos é fazer com que a própria população possa participar da busca em comum de uma solução. Este deveria ser o grande horizonte norteador das políticas urbanas.
Manfredo Araújo de Oliveira
filósofo
Nenhum comentário:
Postar um comentário