sábado, 10 de março de 2012

A freira, o bispo e a terra

O cristão verdadeiro, como a Ir. Dorothy e Dom Ladislau, é aquele que se compromete com todas as forças para para tornar a terra mais habitável.

A opinião é de Stefano Femminis, diretor da revista Popoli, dos jesuítas italianos, em editorial publicado na edição de março de 2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.


Eles foram embora a sete anos e um dia de distância: a irmã Dorothy Stang, missionária norte-americana na Amazônia, brasileira de adoção, morta com seis tiros de revólver no dia 12 de fevereiro de 2005; e Dom Ladislau Biernaski, bispo de São José dos Pinhais e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão da Igreja brasileira, falecido devido a um tumor no dia 13 de fevereiro passado.
A Ir. Dorothy ficou famosa só depois do seu trágico fim. Ela vivia a Anapu (Pará), onde levava adiante um projeto de desenvolvimento sustentável que unia a proteção da produção familiar à defesa do ambiente. Foi morta porque perturbava os interesses de alguns latifundiários locais.
Tanto os assassinos materiais, quanto os mandantes foram condenados, mas provavelmente a Ir. Dorothy não estaria feliz hoje: o Código Florestal prestes a ser aprovado em Brasília e a controversa barragem de Belo Monte (o terceiro maior complexo hidrelétrico do mundo) abrirão mais feridas na Amazônia e entre os seus habitantes indígenas. Sem falar dos danos do agronegócio, com as suas monoculturas predatórias.

Ladislau Biernaski era um homem apaixonado pela terra, como escreveu Jelson Oliveira, membro da CPT local: "Mãos calejadas e unhas turvas, seu grande orgulho era mostrar a horta que mantinha no quintal de sua residência simples na cidade na qual viveu por muitos anos e da qual foi bispo nos últimos cinco, São José dos Pinhais. Essa paixão pela terra, herdada da família de imigrantes poloneses, fez com que ele transformasse a terra também numa causa evangélica e política. Por ela frequentou acampamentos e assentamentos em nome da Igreja. Muitas vezes deixou mitras e cátedras e foi à praça do povo para celebrar esse compromisso profético com a justiça. À frente da Comissão Pastoral da Terra em nível estadual e nacional, e das demais pastorais sociais que acompanhou, Dom Ladislau foi um amigo e companheiro. Soube como ninguém entender e explicar a missão pastoral da Igreja dos pobres e por esta clarividência, participou de inúmeras mobilizações da luta dos pobres paranaenses no campo e na cidade".


Essas testemunhas nos lembram duas coisas. A primeira é que a terra não é uma mercadoria, e muito menos uma variável das finanças – como querem nos fazer acreditar os abutres da grilagem de terras, Estados ou multinacionais que, em uma década, acumularam, principalmente na África, uma extensão de terra igual a oito vezes a Grã-Bretanha –, mas sim um valor a ser protegido, uma condição de possibilidade para a afirmação da dignidade humana, além de "matéria-prima" da cultura e da identidade de um povo.

A economia global já está amplamente terceirizada, a agricultura subjaz às lógicas das Bolsas, e as nossas vidas cotidianas são cada vez mais mediadas pela tecnologia: porém, a terra continua sendo, muito concretamente, aquilo que serve de base para a universalidade dos direitos, já que nós, humanos, assim nos chamamos e somos tais porque nascemos de uma mesma terra (humus).

A segunda mensagem da Ir. Dorothy e de Dom Ladislau é principalmente para aqueles que ainda repetem o refrão de que a Igreja deveria se abster da política para se dedicar às coisas do Céu. Último caso, a manifestação de um famoso cantor tele-evangelista no Festival de Sanremo, talvez nostálgico de um espiritualismo anestesiante que não tem nada a ver com Jesus e o Evangelho.

O cristão verdadeiro, ao contrário, é aquele que se compromete com todas as forças para para tornar o mundo, ou, melhor, a terra mais habitável.

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