quinta-feira, 21 de junho de 2012

Fortaleza: no olho do furacão da Copa

Em visita a quatro comunidades que serão diretamente atingidas pelas obras da Copa do Mundo de 2014, Raquel Rolnik, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada, verificou irregularidades que os governos vêm cometendo contra essas famílias. A visita de Rolnik, também professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), tinha o objetivo de checar níveis de violação do direito à moradia digna. 
Veja, a seguir, a avaliação da própria relatora, posta em seu blog:
http://raquelrolnik.wordpress.com/2012/06/18/fortaleza-no-olho-do-furacao-da-copa/

Semana passada, nos dias 15 e 16, estive em Fortaleza a convite de associações de moradores, entidades de defesa de direitos humanos e ativistas pelo direito à moradia para visitar comunidades que estão sendo afetadas por obras relacionadas à Copa do Mundo de 2014. Nos dois dias de visita, tive a oportunidade de conversar com moradores de nove comunidades e ver de perto a situação em que se encontram. Na sexta-feira, visitei quatro comunidades ameaçadas de remoção por conta das obras do VLT (o veículo leve sobre trilhos, apelidado em Fortaleza de “vai levando tudo”). No sábado, visitei ainda a comunidade do Poço da Draga e o bairro do Serviluz, que serão afetados por projetos de urbanização da orla – o Acquário do Ceará e a Aldeia da Praia, respectivamente; e também as comunidades Jangadeiro e João XXIII e a Trilha do Senhor. Além das visitas, participei de uma audiência pública na Câmara Municipal de Fortaleza e de um debate no auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará.
É importante lembrar que Fortaleza tem mais de 600 comunidades que surgiram a partir de ocupações de baixa renda. Os moradores destas comunidades, sem garantia da segurança da posse, constantemente veem ameaçado o seu direito de permanecer onde estão. Quando se trata de comunidades localizadas em áreas muito bem servidas de infraestrutura, perto do centro e de áreas de maior renda, a situação é de uma vulnerabilidade ainda maior. Ou seja, a combinação da insegurança da posse com o fato de serem comunidades de baixa renda localizadas em frentes de expansão imobiliária tem feito dessas comunidades focos preferenciais para a passagem de obras como a do VLT ou mesmo de projetos de urbanização que retiram a população desses lugares.



Nas conversas que fiz com os moradores das comunidades, dois pontos, em especial, me chamaram a atenção: a falta de informação e de canais de diálogo com o poder público e a forma como estão sendo feitos os reassentamentos. Ouvi muitos relatos especialmente sobre os locais de reassentamento. Segundo os moradores, em geral, estão sendo oferecidas alternativas de moradia em locais muito distantes do original.

Uma senhora que tem um filho com deficiência – que, portanto, precisa de tratamento médico constante e de fisioterapia – disse que o conjunto habitacional que o poder público apresentou como alternativa à atual moradia fica num lugar muito distante do atual, sem transporte público fácil. Muitos idosos também se disseram preocupados com esta questão. Morando há décadas na mesma comunidade, muitos não sabem, por exemplo, como darão continuidade a seus tratamentos de saúde se tiverem que morar em locais distantes, onde não existem postos de saúde, nem rede de transporte público. Também ouvi relatos sobre conjuntos habitacionais que estão sendo construídos em aterros sanitários ou em locais onde funcionaram lixões, como é o caso de um conjunto que ficará muito próximo do antigo lixão do Jangurussu.





A falta de informações, de conhecimento dos projetos e de canais de diálogo com o poder público é também uma constante em todas as comunidades. Sem nenhuma conversa prévia, de repente, um morador acorda de manhã cedo e vê pessoas medindo e marcando sua casa, sem saber o que se passa.
Além disso, mudanças recentes no plano diretor municipal dificultaram ainda mais a situação dessas comunidades. Com essas mudanças, propostas pelo Executivo, foram retirados das áreas de Zeis (Zona Especial de Interesse Social) os imóveis vazios próximos às áreas onde estão comunidades que foram definidas como Zeis para que pudessem ser urbanizadas e consolidadas. Ou seja, nestas áreas, agora, será ainda mais difícil transformar imóveis vazios em habitação de interesse social. E nas proximidades de muitas das comunidades que hoje estão sendo removidas existem muitos terrenos e imóveis vazios que poderiam ser reutilizados e servir de alternativa de moradia a essas pessoas.

Apesar do quadro preocupante, fiquei feliz em ver que existe uma pluralidade de atores sociais – organizações, movimentos populares, ONGs, associações de moradores, universidades, defensores públicos, parlamentares etc – articulados em torno dessa questão, tentando de alguma forma encontrar saídas para as comunidades que já estão sendo ou que serão afetadas. Uma das comunidades que visitei na sexta-feira, a Aldaci Barbosa, por exemplo, obteve uma grande vitória junto ao Governo do Estado: discutindo o projeto, que previa a remoção de toda a comunidade por conta das obras do VLT, os moradores conseguiram alterar vários pontos e com isso o número de famílias a serem removidas foi bastante reduzido.


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