segunda-feira, 4 de março de 2013


Deus não escolheu Ratzinger ... foram os cardeais...

Adital
Reproduzimos este artigo do teólogo José María Vigil de 28 de abril de 2005, cuja reflexão volta a ser muito atual.

 Fiquei impressionado com a leitura da homilia do novo Papa Bento XVI, no dia do início do seu ministério. Com toda a naturalidade e como que "de passagem"  ele fala, por duas vezes, de: "o que Deus tinha escolhido" para papa já antes do conclave, daquele "a quem Deus queria conferir a missão" e que os cardeais deviam tentar identificar com os seus votos no conclave ...
 Fiquei chocado, digo, porque essa é uma premissa falsa: Deus não escolheu Ratzinger. Quem escolheu Ratzinger foram os cardeais. Nem mais nem menos.

Supor que Deus antes do conclave já "tinha escolhido" essa pessoa para o bispo de Roma, é um pensamento muito piedoso, mas certamente sem qualquer fundamento teológico, muito perigoso e, provavelmente, nada ingênuo. Merece uma boa reflexão.
 Supor que os cardeais, no processo de suas votações, acabam espontaneamente por descobrir a pessoa "escolhida por Deus", me parece uma pretensão excessiva, algo como uma "infalibilidade cardinalícia", muito além da infalibilidade papal do século XIX. (Este papa Bento XVI esqueceu o que Ratzinger escreveu alguns anos atrás: "Eu não gostaria de dizer como o Espírito Santo intervém na eleição do Papa, porque está claro que há muitos exemplos em que Ele não teve nada a ver").

 Falar desta maneira, confunde a muitos cristãos simples, que não têm capacidade de discernir criticamente nos terrenos escorregadios da linguagem religiosa. Falar assim, é também empurrar muitos cristãos e critãs mais críticos para a má consciência, fazendo-os se sentirem "com falta e fé", se verem a si mesmos em desacordo com a decisão tomada pelos senhores cardeais, referendada logo depois por esse mesmíssimo papa.
 De fato, são muitos e muitas, com certeza milhões e milhões, os católicos e católicas que não consideram acertada a decisão dos cardeais, nem o próprio processo eleitoral em si, nem, também, -mesmo que isso lhes custe muito mais e descobrir-, a suposição de que os cardeais não fizeram mais do que descobrir o que "Deus já tinha escolhido".

 Primeiro: é um antropomorfismo (imaginar a Deus de uma maneira demasiado humana) dizer que Deus "escolhe" alguém, antes de descobrir os cardeais o descobrirem com as suas votações. E é, na realidade, um "pensamento mágico" (um Deus em cima, que escolhe um, que guia os outros ...). Pois bem, não aceitar este tipo de pensamentos não significa ter menos fé, mas "crer de outra maneira", de uma maneira mais adulta e menos mágica.

 Segundo: isso é uma ousadia -um verdadeiro abuso- dar como certo que a escolha dos cardeais coincide quase infalivelmente, com o suposto "escolhido por Deus". Os cardeais se enganaram muitas vezes, porque se podem enganar na sua escolha. Dizer o contrário, seria heresia.

 Terceiro: é mais lógico, mais teológico e mais evangélico pensar que Deus não quer que sejam os cardeais que elegem o papa. Porque o atual do "conclave" não é apenas um anacronismo (nenhuma sociedade "atual"  faz algo de parecido), mas é contrário ao Evangelho (hoje é evidentemente antievangélico confiar a eleição do sucessor de Pedro a uma escolhida elite sexista -só homens-, clerical -todos clérigos-, gerontocrática -todos esmagadoramente anciãos, cooptada -escolhido a dedo por aquele a quem vão suceder).

 Quarto: todo o cristão tem o direito de discordar da opinião dos cardeais, inclusive de estar convencido de que eles se enganaram. Neste sentido,sua opção por polarizar ainda mais a situação de confrontação em que vive a Igreja, elegendo uma pessoa que representa o aprofundamento da involução e do impasse no diálogo com o mundo moderno, evendencia, para muitos cristãos -e sobretudo para muitas cristãs- o quão longe os cardeais estão da realidade. E revela também até que ponto, no papado de Karol Vojtila, a Igreja acabou sequestrada por uma ideologia que ocupou autoritariamente e sem pudor todos os postos de direção
 O Povo de Deus está cativo e indefeso, nas mãos de uma estrutura autoritária patológica que a instituição católica deu a si mesma, há cerca de mil anos, e da qual não se consegue libertar.
 Finalmente: Se o eleito pelos cardeais também se sente "escolhido por Deus", ninguém nos pode livrar do fundamentalismo, porque, em todas as religiões, uma base certa do fundamentalismo é, precisamente, "acreditar ser os eleitos de Deus".
 Atrever-se a pensar desta forma, mesmo no meio da propaganda contrária dos meios de comunicação do sistema, reinvindicar sua legitimidade teológica em meio a um gregarismo papista, quer ser um exercício de fé adulta e também um serviço para "fortalecer a fé" os que sentem "crer de outra maneira"

Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=16309

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