O abismo
entre o legal e o real
"O Brasil é ao mesmo tempo a 6ª maior economia e uma das cinco
nações mais desiguais do mundo"
Os brasileiros certamente ainda têm na
memória os anos de grande efervescência e de grande participação dos movimentos
populares que foram os anos em que se elaborou uma nova Constituição depois da
longa ditadura militar. Certamente a Constituição foi o ponto de chegada de
intensas lutas sociais contra regimes totalitários e o grande feito foi a
sociedade conseguir dar a si mesma um Estado Social esboçado na Constituição.
Isso fica claro a partir do estabelecimento dos objetivos fundamentais do
Estado: a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, a redução das
desigualdades sociais e regionais, a erradicação da pobreza e da
marginalização, a garantia do desenvolvimento nacional e a promoção do bem de
todos superando os preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer
outro tipo de discriminação.
Certamente
uma das razões, pelo menos vivenciada se não explicitada, que levou tantos às
ruas é o enorme abismo entre o estado legal e estado real. Este continua sendo
excludente, elitista, patrimonialista, permanece sendo o garante dos
privilégios dos que têm o poder nos diferentes níveis da vida social. O Estado
nacional continua apropriado por uma elite que não está disposta a abrir mão de
seus privilégios. Um sinal muito claro disso é a distribuição dos gastos
públicos: no Orçamento Geral da União de 2011, 45% dos recursos foram
destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública federal
enquanto 3% foram destinados à educação, 4% à saúde, 0,12% à reforma agrária. O
povo sente em sua vida as consequências: muitas famílias não têm terra para
trabalhar, não têm moradia, lazer, cultura, um emprego ou uma fonte de renda, o
abastecimento de água e o esgoto sanitário ainda são insuficientes, o sistema
de saúde e de educação não atende as necessidade sobretudo dos pobres.
Grande
parte da população fica somente com as políticas compensatórias como o Bolsa
Família que certamente ajuda muito: fala-se que 28 milhões de pessoas saíram da
situação de extrema pobreza e 36 alcançaram um nível de consumo próximo ao das
classes médias, mas estas políticas não enfrentam o problema estrutural de uma
sociedade organizada em função da lógica da acumulação o que faz com que uma
minoria controle a maior parte das riquezas sociais. Nosso sistema tributário revela
esta lógica dominante: a maior parte dos impostos incide sobre o consumo,
prejudicando os que ganham menos que utilizam toda sua renda em consumo. A
tributação direta, aquela que incide sobre a riqueza e o patrimônio, representa
uma parte bem menor do volume total dos recursos arrecadados. Daí uma
contradição fundamental que marca nossa realidade nacional: o Brasil é ao mesmo
tempo a sexta maior economia e uma das cinco nações mais desiguais do mundo.
Isso significa dizer que a riqueza produzida pelo esforço de toda a sociedade,
muitas vezes à custa de superexploração do trabalho e destruição da natureza,
está nas mãos de um pequeno grupo.
Pe.
Manfredo Araújo de Oliveira
Professor
de filosofia na Universidade Federal do
Ceará (UFC)
18/08/2013 - www.opovo.com.br
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