domingo, 18 de agosto de 2013

O abismo entre o legal e o real
"O Brasil é ao mesmo tempo a 6ª maior economia e uma das cinco nações mais desiguais do mundo"
Os brasileiros certamente ainda têm na memória os anos de grande efervescência e de grande participação dos movimentos populares que foram os anos em que se elaborou uma nova Constituição depois da longa ditadura militar. Certamente a Constituição foi o ponto de chegada de intensas lutas sociais contra regimes totalitários e o grande feito foi a sociedade conseguir dar a si mesma um Estado Social esboçado na Constituição. Isso fica claro a partir do estabelecimento dos objetivos fundamentais do Estado: a construção de uma sociedade justa, livre e solidária, a redução das desigualdades sociais e regionais, a erradicação da pobreza e da marginalização, a garantia do desenvolvimento nacional e a promoção do bem de todos superando os preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e qualquer outro tipo de discriminação.
Certamente uma das razões, pelo menos vivenciada se não explicitada, que levou tantos às ruas é o enorme abismo entre o estado legal e estado real. Este continua sendo excludente, elitista, patrimonialista, permanece sendo o garante dos privilégios dos que têm o poder nos diferentes níveis da vida social. O Estado nacional continua apropriado por uma elite que não está disposta a abrir mão de seus privilégios. Um sinal muito claro disso é a distribuição dos gastos públicos: no Orçamento Geral da União de 2011, 45% dos recursos foram destinados ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública federal enquanto 3% foram destinados à educação, 4% à saúde, 0,12% à reforma agrária. O povo sente em sua vida as consequências: muitas famílias não têm terra para trabalhar, não têm moradia, lazer, cultura, um emprego ou uma fonte de renda, o abastecimento de água e o esgoto sanitário ainda são insuficientes, o sistema de saúde e de educação não atende as necessidade sobretudo dos pobres. 

Grande parte da população fica somente com as políticas compensatórias como o Bolsa Família que certamente ajuda muito: fala-se que 28 milhões de pessoas saíram da situação de extrema pobreza e 36 alcançaram um nível de consumo próximo ao das classes médias, mas estas políticas não enfrentam o problema estrutural de uma sociedade organizada em função da lógica da acumulação o que faz com que uma minoria controle a maior parte das riquezas sociais. Nosso sistema tributário revela esta lógica dominante: a maior parte dos impostos incide sobre o consumo, prejudicando os que ganham menos que utilizam toda sua renda em consumo. A tributação direta, aquela que incide sobre a riqueza e o patrimônio, representa uma parte bem menor do volume total dos recursos arrecadados. Daí uma contradição fundamental que marca nossa realidade nacional: o Brasil é ao mesmo tempo a sexta maior economia e uma das cinco nações mais desiguais do mundo. Isso significa dizer que a riqueza produzida pelo esforço de toda a sociedade, muitas vezes à custa de superexploração do trabalho e destruição da natureza, está nas mãos de um pequeno grupo.

Pe. Manfredo Araújo de Oliveira
Professor de filosofia na  Universidade Federal do Ceará (UFC)


18/08/2013  - www.opovo.com.br

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