O Juiz, a Viúva e os Blacks Blocks
Não resta dúvida que Lucas,
nesta parábola, retorna mais uma vez ao tema da oração ao lembrar que Jesus contou essa parábola aos seus
discípulos “para mostrar-lhes a
necessidade de rezar sempre e nunca desanimar”.
Quem sou eu para desmerecer a importância da oração e a necessidade da perseverança
da nossa oração a Deus. Acontece que
nesta parábola encontramos bem quatro vezes a expressão “fazer justiça” e,
afinal, sede de justiça era o que motivava a perseverança da pobre viúva. Por
isso me atrevo a dizer que a viúva da parábola, mais que modelo de oração, é
exemplo admirável de luta pela justiça no meio de uma sociedade legalista que
só sabe usar e abusar da paciência dos mais fracos.
É só andar pelo Fórum de qualquer comarca deste País para constatar, a
mesma fila e os mesmos rostos, todo o santo dia, na maioria rostos cansados de
mulheres implorando a atenção de algum juiz.
Um juiz “que não respeitava a Deus e não temia homem algum” é a
primeira personagem da parábola. É a encarnação exata da corrupção muitas vezes
denunciada pelos profetas de antigamente, na época em que os poderosos não temiam
a justiça de Javé e não respeitavam nem a dignidade e nem os direitos dos
pobres, quanto mais das mulheres e viúvas. Não se tratava de casos isolados.
Data
vênia: qualquer semelhança não é mera coincidência!
Aí entra em cena a segunda personagem: uma viúva pobre e indefesa no
meio de uma sociedade injusta e excludente.
Não bastasse o sofrimento da exclusão quotidiana cabe a ela enfrentar
sozinha a arrogância de um juiz que pouco se importava com a sua pessoa, quanto
menos com a sua aflição.
Não é assim que vivem milhões de mulheres de todos os tempos na maioria
dos povos?
O que pensar agora diante da conclusão da parábola, visto que Jesus não
fala mais da oração? O que ele pede é confiança
na justiça de Deus: “ E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam
por ele?”.
A essas alturas, com toda humildade, permito-me alertar de não pensarmos
que esses “eleitos” são os mais fervorosos na oração, os praticantes desta
ou daquela Igreja ou Religião, haja vista que naquele tempo não faltavam
adoradores “nem no monte nem em Jerusalém” (Jo 4, 21) e que, por sinal, pouco agradavam a Deus. Tudo indica que
para Jesus “eleitos” são e sempre serão os pobres de todos os tempos que clamam por justiça e que lutam por ela. Deles é o reino
de Deus!
Enfim, a parábola lança um desafio: “Mas o Filho do homem, quando vier, será que
ainda vai encontrar (esta) fé sobre
a terra?”. Pouco interessa ao Mestre a adesão a doutrinas e normas. Ele prefere aquele grãozinho de fé que tem
bastante energia para sustentar a perseverança teimosa e ativa da viúva, modelo
de indignação, de resistência proativa e
de coragem para reclamar e enfrentar a
justiça dos corruptos.
A essa alturas, faço minhas a provocação do teólogo alemão J. B. Metz
quando denuncia que na espiritualidade cristã
há demasiados cânticos e poucos gritos de indignação, demasiada conivência e pouca
nostalgia de um mundo mais humano, demasiado consolo e pouca fome de justiça.
Sonhei por uns dias que o “grito das ruas “ de
meses atrás, fosse o início do clamor afinado de gente sedenta e faminta de
Justiça para além das crenças, dos sectarismos, dos corporativismos ou de qualquer outra opção. Em
nome da minha fé me recuso a aceitar que as essas alturas do campeonato estejam
sobrando, com todo o respeito, um
punhado de Black bloks
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