segunda-feira, 15 de setembro de 2014

SER OU NÃO SER
Seria Francisco um anti-intelectual? 

“Tu podes ter cinco doutorados em teologia, mas não ter o espírito de Cristo. Talvez sejas um grande teólogo, mas não és um cristão, porque não tens o Espírito de Deus!” O Papa Francisco retomou, no início de setembro, a celebração da missa matinal na residência vaticana de Santa Marta, cujas homilias são diariamente retransmitidas.

No dia 02 de setembro, ele retomou um tema que ele desenvolveu várias vezes: a desconfiança em relação aos especialistas de laboratório afastados do terreno e o risco de secar de um espírito puro. “O povo não amava aqueles pregadores, aqueles doutores da lei, porque falavam realmente de teologia, mas não chegavam ao coração, sua própria identidade, porque não estavam ungidos pelo Espírito Santo”, comentou a partir de uma passagem da primeira leitura de São Paulo aos Coríntios sobre “o pensamento de Cristo” (2 Cor 10b-16), proposta pela liturgia para aquele dia.
“Muitas vezes, nós encontramos entre nós fiéis, idosas simples que talvez não concluíram o ensino fundamental, mas que te falam das coisas melhor do que um teólogo, porque têm o Espírito de Cristo”, prosseguiu, exaltando de passagem a sabedoria dos idosos como ele o faz também repetidas vezes. “A pregação de Paulo não provém de um curso feito na Lateranense ou na Gregoriana...”, insistiu ainda o papa jesuíta, não sem um senso de humor.

A reportagem é de Sébastien Maillard e publicada no jornal francês La Croix, 05-09-2014. A tradução é de André Langer.

No primeiro Angelus, no dia 17 de março de 2013, nos dias seguintes à sua eleição, o novo papa já havia oposto o douto saber à sabedoria profunda de uma “idosa, humilde, muito humilde” com a qual cruzou em 1992 em Buenos Aires no fim da missa e que queria se confessar. “‘O Senhor perdoa tudo!’, disse-me ela”, conta o Papa Bergoglio. E prossegue: “Mas, como a senhora sabe?” "Se o Senhor não perdoasse tudo, o mundo não existia”. Eu tive vontade de perguntar-lhe: "Diga-me, a senhora estudou na Universidade Gregoriana? porque esta sabedoria vem do Espírito Santo”, concluiu o papa, que sabe, como todo cristão, o que está escrito no Evangelho de Mateus: “Escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos simples”.

Jorge Mario Bergoglio é adepto da Teologia do Povo, sensível ao seu “sensus fidei”, muito respeitoso da “piedade popular”. Ele é receoso quando se denuncia o populismo. “Eu tenho pavor dos intelectualismos sem sabedoria e dos eticismos sem bondade” ... em uma entrevista que concedeu quando ainda era arcebispo de Buenos Aires (Eu creio no homem, Flamarion).

Disso a fazer de Jorge Mario Bergoglio um anti-intelectual, há uma passagem a não ser ultrapassada. De acordo com o enfoque inaciano, praticado na pontifícia universidade jesuíta de Roma, não devemos dissociar o humano e o intelectual do espiritual, que, ao contrário, se clareiam mutuamente. O cristianismo reconcilia corpo e espírito, fé e razão. “Eu acredito que a educação tornou-se muito profissional”, responde o ex-professor no mesmo livro: “É preciso estar atualizado, e o profissionalismo é uma coisa saudável, mas não devemos nos esquecer de acompanhar, de ir ao encontro da pessoa, pensando no aluno em todos os seus aspectos”.

Esta exigência de uma aproximação completa encontra-se nas recomendações que o Papa Francisco faz à cúria romana, aos núncios, aos bispos ou ao clero: ser ao mesmo tempo “profissional” – termo que ele emprega com frequência – e “sentir o cheiro das ovelhas”, segundo uma das suas expressões mais célebres. Como escreveu São Paulo num capítulo da mesma carta, sem dúvida o mais conhecido: “Ainda que (...) tivesse o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência (...), se não tivesse a caridade, eu nada seria”.

Uma palavra para ser retomada às vésperas do Sínodo sobre a Família e o casamento. Aquilo que comanda a teologia, o magistério e o dogma e aquilo que inspira a caridade, a misericórdia e a docilidade ao Espírito, anuncia-se como a mais delicada e necessária conciliação a ser realizada pelos bispos.
                                                           ... postei porque gostei (Marcos)

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