Em contraponto às nossas manias de grandeza e imortalidade, a liturgia católica convida todo ano a baixarmos a cabeça e confiar a um punhado de cinza a tarefa nos lembrar a fugacidade da vida, a fragilidade da nossa mente e do coração também. Corações e mentes que se enfraquecem ainda mais quando opomos resistência à força existencial do Evangelho.
As cinzas são um apelo de conversão ao Evangelho de Jesus de Nazaré cujo Espírito nos confere resistência na inevitável hora da tentação. De fato, nossa condição humana profundamente marcada pela tentação e pela provação requer uma boa dose de resistência e de discernimento para que ninguém se torne refém de tantos devaneios e ilusões de onipotência.
“Cinza na cabeça e água nos pés”. Curta é a distância da cabeça aos pés, assim como bem poucos são os quarenta dias que separam a quarta-feira de cinzas do lava-pés da quinta-feira santa. No entanto bem mais íngreme e sofrida é a distância que separa nossa cabeça dos pés dos nossos irmãos e irmãs. E haja cinzas, quaresmas e desertos para desconstruir nossas rígidas convicções, posturas e práticas oxidadas por nada evangélicas que, a medida que nos afastam do Espírito libertário do Evangelho do Filho do Homem, nos distanciam cada vez mais das feridas da humanidade.
"Cinza na cabeça e água nos pés" e com urgência! Pois, em que pesem os fartos e lúcidos documentos de seu Magistério encurtar a distância entre a doutrina e a prática ainda constitui o maior desafio para a nossa Igreja.
O cartaz da CF 2015 é ilustrativo de um entre outros lava- pés do papa Francisco com aquela profecia que lhe é tão peculiar: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos... Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: «Dai-lhes vós mesmos de comer” (Alegria do Evangelho 49).
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