Perdoai, Senhor,
eles não sabem
o peso de suas canetadas
Estava olhando agora por entre as grades fechadas. A quadra de esportes, nosso páteo, os corredores, tudo já vazio, mas as celas todas cheias. Incrível! Quanta tristeza pode ser concentrada em um espaço tão pequeno? Quanta saudade encarcerada em um mesmo lugar? É tanta que transborda pelos muros afora.
eles não sabem
o peso de suas canetadas
Estava olhando agora por entre as grades fechadas. A quadra de esportes, nosso páteo, os corredores, tudo já vazio, mas as celas todas cheias. Incrível! Quanta tristeza pode ser concentrada em um espaço tão pequeno? Quanta saudade encarcerada em um mesmo lugar? É tanta que transborda pelos muros afora.
Não temos como quantificar esses
sentimentos; mas, se tivessemos, será que mudaria algo? Será que teríamos uma
regra, um limite, uma quantidade máxima de sentimentos ruins por metro
quadrado?
É complicado….
O ser humano é altamente adaptável, se
acostuma com tudo mesmo, não é? Por que não se adaptaria em ficar mal o tempo
todo?
Esquecemos o que é bom, tudo se torna
apenas uma vaga lembrança. Na medida em que o tempo passa, quanto mais passa,
tudo fica longe da memória. As boas coisas já vividas, toda uma vida, apenas
guardada nas lembranças, como um filme que assistimos há muito tempo.
Fatos, rostos; lembranças, apenas.
Porém, mesmo assim, aquilo que somos, o
que vivemos, ninguém nos tira. Só mesmo o tempo. Ah, o tempo….
O tempo leva tudo.
Tudo aqui nos é proibido, não posso
receber a visita de minha filha de 17 anos, que é menor de idade, porque, mesmo
eu tendo a guarda, sou separado da mãe dela.
Jornais e revistas também não são
permitidos, não temos acesso. O por que disso? Boa pergunta! Não há lógica
alguma, apenas a opressão pura e simples e a humilhação. Não existe outro
motivo.
Vivemos quase na era medieval. Só mesmo
o tempo para nos acostumarmos com tudo isso.
Aquele que inventou a grade não conhece
a dor da saudade.
Muitos lá fora se perguntam sobre a
quantidade de tempo em que ficamos presos, se devem aumentar as penas e tal.
Mas alguém já perguntou isso para um preso ou um ex-detento? Ninguém entende
mais de prisão do que nós! É o óbvio! O preso é que tem a vivência e a visão
humana (ou desumana) do cárcere.
Porém, alguns podem alegar parcialidade
nesse ponto de vista. Os mais teóricos, como juízes, promotores ou outros
operadores do direito, só conhecem mesmo os “meandros” jurídicos. Não sabem -
sequer imaginam - o peso de suas canetadas nas vidas alheias.
Para estes, apenas papéis frios, sem
vida. Esquecem-se que, por trás destes simples papéis, existem vidas humanas,
que passam dias, meses e anos aguardando decisões, com estragos inenarráveis em
suas vidas, e, consequentemente, nas vidas de todos os seus familiares.
Aquele que inventou a grade não conhece
a dor da saudade.
Uma vírgula mal colocada por um
advogado menos atento pode ser a diferença entre uma vida com família, filhos,
ou anos de sofrimento, humilhação e saudades. A subjetividade que causa marcas
na vida dos outros para sempre.
Lembro da história na qual, por exemplo,
a igreja católica, entidade séria e de respeito, protagonizou: a santa
inquisição. Quantos inocentes sofreram mazelas e torturas monstruosas nas mãos
dos juízes inquisidores?
Justiça?
Será que o homem sabe mesmo o
verdadeiro sentido disso? Dessa palavra em seu sentido mais simples, sem ser
parcial? A balança é realmente equilibrada? Ou ela tende a pender para o lado
mais cômodo ou conveniente, apenas para dar menos trabalho a determinado juiz
ou promotor, que se esquece da sua verdadeira missão, a Justiça?
Será que acreditam que se faz justiça
com a injustiça, assim como na “santa inquisição”?
Bom, ainda estou preso, sozinho,
humilhado. Meu destino não está mais nas minhas mãos.
Meu destino, minha vida, meu futuro, é
apenas uma pasta de papeis no Fórum: o processo.
Só me resta mesmo é continuar olhando
pelas grades. Por quanto tempo? Ainda não sei.
Já estou preso há um ano e meio, e tudo
o que eu posso fazer é apenas esperar e ficar pensando, divagando.
Até quando?
André
Ricardo é colunista por um dia na coluna Cartas
do Cárcere. A coluna mostra relatos semanais de pessoas que vivem (e morrem) no
sistema prisional brasileiro.
*Todos
os nomes desta coluna são fictícios para preservar a identidade dos apenados
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