domingo, 18 de março de 2018

MARIELLE: vida doada para produzir muitos frutos

Chegou a hora de sair da toca e viralizar novamente meu blog, como nos velhos tempos. Aproveito então este Quinto Domingo da Quaresma (18/03) para deixar a NEGRA MARIELLE se infiltrar de mansinho nas entrelinhas do Evangelho, em João 12,-33), na certeza que seu testemunho de vida e morte produza muitos frutos. Liturgistas e exegetas é melhor se calarem, pelo menos hoje.

de Mauro Lopes

O Evangelho deste domingo é João 12,20-33. Marca o fim de sua vida pública e o início de sua Páscoa (paixão e morte). Nas igrejas, informa-se à assembleia reunida: “Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João”. Mas, neste domingo 18 de março de 2018, as palavras poderiam ser –e, de fato, são: “Proclamação do Evangelho de Jesus segundo Marielle”. Ou ainda: “Proclamação do Evangelho de Jesus e sua filha Marielle”. Pois o Evangelho (Boa Notícia) deste domingo não marca apenas o fim da vida pública de Jesus e sua Páscoa (paixão e morte); marcou, na noite de quarta-feira,  o fim da vida pública de Marielle e sua Páscoa (paixão e morte).

As palavras que, segundo a comunidade joanina, Jesus teria pronunciado naquele momento crucial, eram sobre seu futuro próximo e os anos, séculos e milênios seguintes . Mas –e o Brasil presencia isso agora- era também uma profecia sobre uma Negra Favelada que, como ele, ousou afrontar o Império, as elites, a miséria, a fome, o desespero, a desesperança, o golpe contra seus irmãs e irmãos mais frágeis, as botas sujas de sangue invadindo os morros.

Disse Jesus –na interpretação da comunidade de João (versículos 24 a 28): Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas, se morrer, então produzirá muito fruto. Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém me quer seguir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo. Se alguém me serve, meu Pai o honrará. Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora?’ Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!” Então, veio uma voz do céu: “Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo!”

Qual o testemunho da vida/morte de Marielle?
Foi ela, passados mais de dois mil anos daquele momento, o grão de trigo que morreu para produzir muito fruto; foi ela que não se apegou à sua vida, entregando-a à vida eterna (ao futuro de seu povo). Não foi uma decisão fácil para Marielle, como não foi para Jesus. Da angústia que ele reconheceu viver naquela hora, Marielle não deve ter escapado na sua hora. Como o Mestre, ela não escolheu livrar-se de sua escolha, pois viveu por ela e para ela –“foi precisamente para esta hora que eu vim”.

Como aconteceu com Jesus, a morte de Marielle foi seguida de mentiras, calúnias e infâmias. Acima –muito acima das vozes que disseminam ódio e desejo de morte- é possível ouvir uma voz que ecoa em todo o país: “Eu a glorifiquei e a glorificarei de novo!”. Pois Marielle viveu glorificada e em sua morte está novamente glorificada.

Glória é uma palavra com uma trajetória carregada de significados. Presente no texto grego do Novo Testamento como δόξα (doxa), ele origina-se do hebraico Kãbhôdh (kabod) que, numa tradução aproximada, significa honra, dignidade, autoridade. Quando a palavra glória ecoou sobre Jesus e, agora, sobre Marielle, significa a presença de ambos carrega a honra, a dignidade, a autoridade do Deus-Amor. Ou, ainda mais precisamente: na presença daquele/daquela  que está glorificado/glorificada, é possível vislumbrar a própria presença viva do Amor.

Quando alguém, depois de Jesus, entrega sua vida como semente e produz muito fruto é como uma cortina que se abre diante de nossos olhos para vermos por um instante Sua presença entre nós.


Vimos/vemos o Amor em Jesus em sua vida doada. Vimos/vemos  o Amor em Marielle e em sua vida doada.

http://outraspalavras.net/maurolopes

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