Acho até por demais justo que as religiões e as crenças de todas as matizes enalteçam e enfatizem a atualidade de Francisco de Assis, reconhecendo nele uma das figuras mais eminentes do milênio passado.
Chora e padece a natureza pelo descaso humano; choram e padecem duras penas multidões de seres humanos, filhos e filhas do bom Deus.
Por vezes chego até a desconfiar de tanta ternura e compaixão dispensada às plantas e aos bichos enquanto menos comoção e cuidado são dispensada aos bilhões de criaturas humanas largadas ao deus-dará. Os pobres foram até batizados com o pomposo nome de “hipossuficientes”. Talvez para torná-los ainda mais invisíveis. Sendo assim, menos problemas para nós.
Penso então em Francisco, o "poverello di Assisi” que chegou a pedir a Deus a sorte de experimentar em suas carnes a mesma dor e o mesmo sofrimento que Jesus provou na cruz. E foi abençoado com as marcas dos estigmas. Masoquismo? Desprezo pelo corpo? Sempre encontrarão justificativas para se safar do sofrimento e da solidariedade aqueles que nada enxergam além das reclamações do seu próprio corpo.
Francisco percebeu um dia que para “pertencer ao Cristo pobre” não havia outro caminho a não ser a liberdade diante de tudo aquilo que, até então, era a razão do seu viver: as regalias de uma vida burguesa regada a prazeres desmedidos. O emblemático episódio de se despir diante do pai em praça pública, foi só o início do longo e mais difícil processo de despojamento que, partindo da nudez do corpo, atinge as raízes das vontades e das paixões humanas.
É a pobreza integral, ainda hoje desconcertante e perene desafio diante dos males de todos os tempos. Rico só do amor do Pai, igual ao Mestre, Francisco tem como oferecer amor verdadeiro à toda a criação. A partir daí a sensibilidade deixa de ser mera emoção epidérmica e se torna solidariedade: virtude teologal do novo milênio.
Virtude teologal bem retratada no abraço de Francisco ao irmão leproso; virtude feita atitude no “bom samaritano” que cuida das feridas do homem caído à beira da estrada; no cuidado e na alegria do pastor bom que carrega nas costas a ovelha machucada; e, por que não, quando Jeová, não aguentando mais tanto sofrimento nas carnes do seu povo oprimido, decidiu tomar partido por ele.
Aguardando o próximo dia 04, memória de São Francisco de Assis, São Francisco das Chagas para os nordestinos ou São Francisco de Canindé, deixem que eu cante com Beth Carvalho e Mercedes Sosa:
Eu só peço a Deus
Que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário sem ter feito o que eu queria
Eu só peço a Deus
Que a injustiça não me seja indiferente
Pois não posso dar a outra face
Se já fui machucada brutalmente
Eu só peço a Deus
Que a guerra não me seja indiferente
É um monstro grande e pisa forte
Toda fome e inocência dessa gente
Eu só peço a Deus
Que a mentira não me seja indiferente
Se um só traidor tem mais poder que um povo
Que este povo não esqueça facilmente
Eu só peço a Deus
Que o futuro não me seja indiferente
Sem ter que fugir desenganando
Pra viver uma cultura diferente
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