Na América Latina apareceu algo
Conhecemos um novo franciscanismo, ou seja, uma nova etapa, mas radical, de vida evangélica. Quando nasceu? Falei dos bispos que participaram disso e que animaram Medellín e da opção pelos pobres, dos santos padres da América Latina. E vocês os conhecem. Se for preciso marcar a origem do novo evangelismo da Igreja latino-americana, eu diria – não se esqueçam – dia 16 de novembro de 1965. Nesse dia, em uma catacumba de Roma, 40 bispos, a maioria latino-americanos, incitados por Helder Câmara, se juntaram e assinaram o que se chamou de "Pacto das Catacumbas". Ali se comprometeram a viver pobres, na alimentação. Se comprometeram e, de fato o fizeram depois, uma vez que chegaram às suas dioceses. E depois, priorizar em todas as suas atividades o que é dos pobres, ou seja, deixando muitas coisas para se dedicar prioritariamente aos pobres e uma série de coisas que vão no mesmo sentido. Foram eles que animaram a Conferência de Medellín. Ou seja, nasceu aqui.
E tiveram um contexto favorável. O Espírito Santo já naquele tempo havia suscitado uma série de pessoas evangélicas. As Comunidades Eclesiais de Base já tinham nascido. Já havia religiosas inseridas nas comunidades populares. Mas, eram poucos e se sentiam um pouco marginalizados no meio dos outros. Medellín lhes deu como que legitimidade e ao mesmo tempo uma animação muito grande, e se expandiu. Foi toda a Igreja latino-americana? Claro que não. Sempre é uma minoria. Um dia, me lembro, um jornalista perguntou ao cardeal Arns – um santo, com quem vivemos muito boas relações de amizade: "você, senhor cardeal, aqui em São Paulo tem muita sorte, toda a Igreja se fez Igreja dos pobres, as monjas todas a serviço dos pobres, que coisa magnífica!". Aí, Dom Paulo disse: "Sim, pois, aqui em São Paulo 20% das religiosas foram às comunidades pobres; 80% ficaram com os ricos". Era muito. Atualmente, não há 20%.
Isto foi uma época de criação, uma dessas épocas em que há, às vezes, na história com uma efusão muito grande do Espírito. Mas temos que viver essa herança. É uma herança que é preciso manter, conservar preciosamente porque isso não vai reaparecer. Às vezes me perguntam: Por que hoje os bispos não são como naquele tempo? Porque aquele tempo foi uma exceção, ou seja, na história da Igreja é exceção. De vez em quando o Espírito Santo manda exceções.
E quem vai evangelizar o mundo de hoje? Para mim, são os leigos. E já aparecem muitos grupinhos de jovens que justamente praticam uma vida muito mais pobre, livre de toda organização exterior, vivendo em contato permanente com o mundo dos pobres. Já existem. Haveria mais se se falasse mais, se fossem mais conhecidos. Pode ser uma tarefa também auxiliar da teologia: divulgar o que está realmente acontecendo, onde o Evangelho está sendo vivido neste momento, para dá-lo a conhecer, para que se conheçam mutuamente, porque do contrário podem perder ânimo ou não ter muitas perspectivas. Uma vez que se unam, formem associações, cada qual com sua tendência, seu modo de espiritualidade. Não espero muito do clero. Então é uma situação histórica nova.
Mas acontece que os leigos deixaram de ser analfabetos; isso já faz tempo. Eles têm uma formação humana, uma formação cultural, uma formação de sua personalidade que é muito superior ao que se ensina nos seminários. Ou seja, têm mais preparação para agir no mundo, mesmo que não tenham muita teologia. Se poderia dar mais teologia, mas isso é outro assunto. Agora, não vamos pensar que amanhã quem vai colocar em prática o programa de Aparecida serão os sacerdotes. Eu não conheço tudo, mas levando em conta os seminários que eu conheço, as dioceses que eu conheço, seriam necessários 30 anos para formar um clero novo. E quem vai formá-lo? Para os leigos é diferente. Há muitíssimas pessoas dispostas, e pessoas com formação humana, com capacidade de pensar, de refletir, de entrar em relação e contatos, de dirigir grupos, comunidades... Mas muitos ainda não se atrevem, não se atrevem. Mas aí está o futuro.
Para terminar, uma anedota: me chamaram para ir a Fortaleza, no nordeste do Brasil. Atualmente, Fortaleza é uma cidade muito grande – um milhão de habitantes (sic!). A Santa Sé havia afastado, marginalizado o cardeal Aloísio Lorscheider, mandando-o ao exílio em Aparecida, que é um lugar de castigo para os bispos que não agradam. Então, veio um sucessor, Dom Cláudio Hummes, que agora é cardeal em Roma. Cláudio Hummes suprimiu tudo o que havia de social na diocese, despediu todos: 300 pessoas com a longa trajetória de serviço, com capacidade humana. Um dia me chamaram: eram 300, chorando, lamentando: "e agora não podemos fazer nada. E agora, o que vai acontecer?". Eu lhes disse: "mas, vocês são pessoas perfeitamente humanizadas, desenvolvidas, com uma personalidade forte. Tiveram êxito em sua família, tiveram êxito em suas carreiras, em seus trabalhos profissionais. Do que agora se preocupam se o bispo quer ou não quer? Por que se preocupam se o pároco quer ou não quer? Vocês têm formação suficiente e a capacidade. Por que não agem, não formam uma associação, um grupo, de forma independente? Porque o Direito Canônico – o que muitos católicos não sabem – permite a formação de associações independentes do bispo, independentes do pároco. Isso não se ensina muito nas paróquias, mas é justamente algo que é importante. Então, vocês podem muito bem reunir 4, 5 pessoas para organizar um sistema de comunicação, um sistema de espiritualidade, um sistema de organização de presença na vida pública, na vida política, na vida social: 300 pessoas com esse valor. Se paga, tem que pagar a 5, cada um vai gastar nem sequer 2% do que ganha, ou seja, podem muito bem manter 5 pessoas dedicadas a isso. E vão escolhê-los entre 25 e 30 anos porque essa é a época criativa. Até os 25 o ser humano se busca. A partir deste momento termina seus estudos e já conseguiu um trabalho. Então já quer definir sua vida: estes são os que têm capacidade de inventar. Todas as grandes invenções se deram por gente com essa idade". Mas não o fizeram. Por quê? O que acontece? Por que tanta timidez? "Vocês que são tão capazes no mundo, na Igreja nada!" Não se sentiam capazes, necessitavam do bispo que lhes dissesse o que fazer, necessitam de sacerdotes que lhes digam o que fazer. Como é possível? Certamente, não se lhes ensinou. Podem ser adultos na vida civil e crianças na vida religiosa.
Mas nós podemos! Nós podemos fazê-lo e multiplicá-lo em todas as regiões que vamos conhecer. Então, o futuro depende de grupos de leigos semelhantes, que já existem mesmo que ainda estejam muito dispersos. O futuro está aí, é tarefa de todos, começando pelos jovens. No Brasil há neste momento seis milhões de estudantes universitários. Dois milhões, são de famílias pobres – são pobres os que ganham menos de três salários mínimos, porque com menos disso não se pode viver decentemente. Dois milhões. E qual é a presença do clero? Pouquíssima. Alguns religiosos. Das dioceses? Nada. E ali está o futuro. São jovens que estão descobrindo o mundo. Claro, há alguns que entram no mundo das drogas, que se corrompem, mas é uma minoria. Ou seja, o conjunto são pessoas que querem fazer algo na vida. Se não conhecem o Evangelho não vão viver como cristãos. É preciso explicar, mas não explicar com cursos de teologia, mas explicar fazendo, participando de atividades que de fato são realmente serviços aos pobres. Isso é possível fazer.
Tarefa da teologia. Então será preciso mudar um pouquinho: menos acadêmico, mais orientado para o mundo exterior... com todos os que não estão mais na rede de influxo da Igreja, que não recebem. Mas, presença nisso. E uma teologia que se possa ler, sem ter formação escolástica, porque anteriormente se não se tinha formação aristotélica não se podia entender nada dessa teologia tradicional. Bom, a filosofia aristotélica morreu, ou seja, os filósofos do século XX a enterraram. Agora temos liberdade para ver no mundo como nos abrimos.
Obrigado pela atenção de vocês!
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