Tomo a liberdade de oferecer aos leitores do meu modesto blog a conferência do Pe. José Comblin na Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas (UCA), de San Salvador, em 18 de março de 2010. Levando em conta a capacidade "digestiva" de cada um, vou reproduzí-la em doses homeopáticas. Quem desejar ler o texto original de uma só vez, pode procurá-lo no sítio: http://www.consciencia.net/o-que-estas-acontecendo-na-igreja/ publicado em 14-11-2010. Com seus 87 anos de idade, o teólogo José Comblin dispensa qualquer apresentação. Acredite quem quiser. Eu acredito!
"Boa tarde a todas e todos.
Não é a primeira vez que falo neste lugar, mas agradeço muito a amizade de Jon Sobrino. Nós nos conhecemos há muito tempo e eu o estimo como uma das cabeças mais lúcidas deste tempo que renovou completamente a Cristologia.
Bom... As perguntas de ontem me deram a impressão de que em muitas pessoas há certo desconcerto em relação à situação atual da Igreja. Ou seja, uma sensação de insegurança. Como dizia Santa Teresa, por "não saber nada a respeito, que nada provoque temor". Quando era jovem eu conheci algo semelhante e, talvez, pior. Era o pontificado de Pio XII. Ele havia condenado todos os teólogos importantes, havia condenado todos os movimentos sociais importantes, por exemplo, a experiência dos padres operários na França, Bélgica e outros países. Aí nós, jovens seminaristas e depois jovens sacerdotes, estávamos mais que desconcertados, perguntando-nos: mas, ainda há futuro? Eu me lembro que naquela época tinha lido uma biografia de um autor austríaco do papa Pio XII. E aí contava algumas palavras que havia escrito o Pe. Liber, jesuíta, professor de História da Igreja na Gregoriana. O Pe. Liber era confessor do Papa. Sabia tudo o que passava na cabeça de Pio XII e então dizia: "Hoje a situação da Igreja católica é igual a um castelo medieval, cercado de água, levantaram a ponte e jogaram as chaves na água. Já não há como sair (risos). Ou seja, a Igreja está cortada do mundo, não tem mais nenhuma possibilidade de entrar". Isso foi dito pelo confessor do Papa, que tinha motivos para saber essas coisas. Depois disso veio João XXIII e aí, todos os que haviam sido perseguidos, de repente são as luzes no Concílio e de repente todas as proibições são levantadas. Aí renasceu a esperança. Digo isto para que não se perturbem. Algo virá. Algo virá que não se sabe o que, mas algo sempre acontece.
Como explicar essas situações que ainda podem recomeçar? Porque estamos nos aproximando da fase final da cristandade. Já faz muitos séculos que anunciaram a morte da cristandade... que está agonizando já faz cerca de 200 anos, mas ainda pode continuar sua agonia durante algumas décadas ou alguns anos. Ou seja, deixou de ser a consciência do mundo ocidental. Deixou de ser a força que anima, estimula, esclarece, explica a fonte da cultura, da economia, de tudo o que foi durante o tempo da cristandade. Tudo isso foi sendo destruído progressivamente desde a Revolução Francesa e aqui desde a independência, desde a separação do império espanhol. Então, pouco a pouco, apareceram muitos profetas que disseram que a cristandade morreu... já faz 200 anos. Mas agora creio que a cristandade está entrando em suas fases finais. Querem um sinal? A Encíclica Caritas et Veritate. Não sei quantas pessoas aqui leram a Encíclica. Se se vê a repercussão que teve no mundo: impressionante silêncio... Talvez silêncio respeitoso, mas mais provavelmente silêncio de indiferença. A doutrina social da Igreja não importa mais a ninguém, que também deixou de se interessar pelo que acontece na realidade concreta.
Há alguns anos, um sociólogo jesuíta muito importante, o Pe. Calvez, que teve um papel importantíssimo na criação e manutenção da Doutrina Social da Igreja, publicou um livro intitulado: "Os silêncios da Doutrina Social da Igreja". Ainda está em silêncio. Deixa de entrar com força nos problemas do mundo atual. Fica com teorias tão vagas, tão abstratas, tão genéricas... A carta Caritas in Veritate poderia ser assinada pelo Fundo Monetário Internacional (risos), pelo Banco Mundial... sem nenhum problema. Não há absolutamente nada que incomode esse pessoal. Então, para quê? Esse é o sinal.
Querem outro sinal? A Conferência de Aparecida disse muitíssimas coisas muito boas. Quer transformar a Igreja em uma missão, passar de uma Igreja de "conservação" a uma Igreja de "missão". Só que pensa que isso será feito pelas mesmas instituições que não são de missão, mas de conservação. Isso será feito pelas dioceses, pela paróquia, pelos seminários, pelas Congregações Religiosas. Estes aqui, de repente e por milagre, vão se transformar em missionários. Já se passaram três anos e o que aconteceu em sua diocese? Como se aplicou a opção pelos pobres? Não sei como é aqui, mas no Brasil não vejo muita transformação. Ou seja, a cristandade está se dissolvendo progressivamente, mas o problema é o depois. O que vem depois? Como? Daí a insegurança porque não sabemos o que vem depois. Isto aconteceu muitas vezes na história e ainda vai acontecer provavelmente muitas vezes. É preciso aprender a resistir, a suportar, a não se deixar desanimar ou perder a esperança pelo que vem acontecendo.
O que acontece é que em Roma não estão convencidos de que a cristandade está morta. Acreditam que as Encíclicas iluminam o mundo, que as instituições eclesiásticas iluminam e conduzem o mundo. Ou seja, é um mundo fechado, que de fato vive em um castelo medieval, cercado de água. E então, o que acontece? Vamos ver como interpretar, como ver o que está acontecendo. E então ver qual é o "método teológico" que convém para isso"...
próximo capítulo amanhã...
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