quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A COPA DO MUNDO (2014) NÃO SERÁ NOSSA!

    Para bem funcionar, um país precisa  de  regras. Se carece de leis e de quem zele por elas, vale a anarquia.  O Brasil  possui mais leis que população. Em princípio, nenhuma delas  pode contrariar a  lei maior – a Constituição. Só em princípio. Na  prática, e na Copa, a teoria é  outra.    Diante do megaevento da  bola, tudo se enrola. A legislação corre  o risco de ser escanteada e,  se acontecer, empresas associadas à Fifa ficarão  isentas de pagar  impostos.
    A lei da responsabilidade fiscal, que  limita o  endividamento, será flexibilizada para facilitar as obras destinadas  à  Copa e às Olimpíadas. Como enfatiza o professor Carlos Vainer, especialista   em planejamento urbano, um município poderá se endividar para  construir um  estádio. Não para efetuar obras de saneamento...
    A  Fifa é um cassino.  Num cassino, muitos jogam, poucos ganham. Quem  jamais perde é o dono do  cassino. Assim funciona a Fifa, que se  interessa mais por lucro que por  esporte. Por isso desembarcou no  Brasil com a sua tropa de choque para obrigar  o governo a esquecer  leis e costumes.
    A Fifa quer proibir, durante a  Copa, a  comercialização de qualquer produto num raio de 2 km em torno dos   estádios. Excetos mercadorias vendidas pelas empresas associadas a  ela. Fica  entendido: comércio local, portas fechadas. Camelôs e  ambulantes, polícia  neles!
    Abram alas á Fifa! Cerca de 170 mil  pessoas serão removidas de  suas moradias para que se construam os  estádios. E quem garante que serão  devidamente indenizadas?

    A  Fifa quer o povão longe da Copa. Ele que se  contente em acompanhá-la  pela TV. Entrar nos estádios será privilégio da  elite, dos  estrangeiros e dos que tiverem cacife para comprar ingressos em  mãos  de cambistas. Aliás, boa parte dos ingressos será vendida antecipadamente   na Europa.
    A Fifa quer impedir o direito à meia-entrada.  Estudantes e  idosos, fora! E nada de entrar nos estádios com as  empadas da vovó ou a  merenda dietética recomendada por seu médico. Até  água será proibido.
     Todos serão revistados na entrada. Só uma  empresa de fast food  poderá vender seus produtos nos estádios.  E a proibição de bebidas alcoólicas  nos estádios, que vigora hoje no  Brasil, será quebrada em prol da marca de uma  cerveja made in  usa.  
Comenta o prestigioso jornal Le Monde   Diplomatique: “A recepção de um megaevento esportivo como esse  autoriza  também megaviolação de direitos, megaendividamento púbico e   megairregularidades.”
    A Fifa quer, simplesmente, suspender,  durante a  Copa, a vigência do Estatuto do Torcedor, do Estatuto do  Idoso e do Código de  Defesa do Consumidor. Todas essas propostas  ilegais estão contidas no Projeto  de lei  2.330/2011, que se  encontra no Congresso. Caso não  seja aprovado, o Planalto poderá  efetivá-las via medidas provisórias. 
    Se você fizer uma  camiseta com os dizeres “Copa 2014”, cuidado. A Fifa  já solicitou ao  Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) o registro  de mais  de mil itens, entre os quais o numeral “2014”.
    (Não) durmam   com um barulho deste: a Fifa quer instituir tribunais de exceção  durante a  Copa. Sanções relacionadas à venda de produtos, uso de  ingressos e  publicidade. No projeto de lei acima citado, o artigo 37  permite criar  juizados especiais, varas, turmas e câmaras  especializadas para causas  vinculadas aos eventos. Uma Justiça  paralela!
    Na África do Sul, foram  criados 56 Tribunais  Especiais da Copa. O furto de uma máquina fotográfica  mereceu 15 anos  de prisão! E mais: se houver danos ou prejuízo à Fifa, a culpa  e o  ônus são da União. Ou seja, o Estado brasileiro passa a ser o fiador da   FIFA em seus negócios particulares.
    É hora de as torcidas  organizadas e  os movimentos sociais porem a bola no chão e chutar em  gol. Pressionar o  Congresso e impedir a aprovação da lei que deixa a  legislação brasileira no  banco de reservas. Caso contrário, o torcedor  brasileiro vai ter que se  resignar a torcer pela  TV.

    Frei Betto 
é escritor, autor de “A  arte de semear  estrelas” (Rocco), entre outros livros.

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