sexta-feira, 27 de março de 2015

Alienação religiosa no âmbito cristão

Pe. Djacy Brasileiro
Adital

Como cristão, que tenta seguir os passos de Jesus libertador, estou estupefato com tanta alienação religiosa, tanta euforia espiritual, desvinculada de qualquer compromisso com o verdadeiro Reino de Deus. Trata-se da vivência de uma fé intimista, subjetivista, inócua e interesseira. Estamos vivenciando, portanto, não o cristianismo profético- historicizado, contextualizado, comprometedor e libertador, desejado pelo Jesus histórico, mas um cristianismo nas nuvens, descaracterizado na sua essência, um cristianismo alienante e, sem dúvida, muito perigoso. É a era do espiritualismo exacerbado. O que prevalece é a fé intimista: Deus e eu.
O cristianismo verdadeiro, libertador, puro, compromissado com as causas sociais, com os pobres, os excluídos, os injustiçados, com a vida do povo de Deus, estão cedendo espaço para um cristianismo platônico, a - histórico, estéril e inócuo. Agora é uma vivência de fé extremamente conservadora, alienante, reacionária. Longe daquele cristianismo libertário idealizado por Jesus, que vendo a multidão faminta falara: "Tenho pena deste povo, porque é como ovelhas sem pastor” ou, senão, "eu vim para que todos tenham vida”. 
Estão descaracterizando o evangelho de um Jesus que visava libertar os pobres das garras dos poderosos. Aliás, Jesus é enviado para anunciar a Boa Nova aos pobres, os prediletos de Deus, seu Pai.
Hoje, o que importa é anunciar um Cristo milagreiro, que soluciona qualquer problema pessoal, que é capaz de promover riquezas, curas, bem-estar pessoal etc. Há uma verdadeira dosagem de alienação a partir do culto, da pregação da palavra e das músicas.
O culto ou a celebração gira em torno de louvores, orações prolongadas desvinculadas da vida sofrida do povo, aplausos, choros, lágrimas, pula pula, gritaria, chegando às vezes ao histerismo. Até diria que esses eventos ditos religiosos funcionam muito mais como terapia, como alivio de um espírito perturbado, estressado.
As leituras bíblicas são lidas e interpretadas de modo bem adocicadas e alienantes, não levando em consideração o contexto social, econômico e político do momento. Até diria que as mesmas são escolhidas de acordo com os problemas pessoais, funcionando mais como receita espiritual. O caminho para os seus problemas ou dificuldades está aqui. Siga esses versículos da Bíblia, e o resultado será positivo, quer na doença, nos problemas de finanças etc. É a interpretação intimista, subjetivista, rasteira, superficial, fundamentalista, da palavra de Deus. 
As músicas, tão badaladas no rádio e na TV, nem se fala, são totalmente alienantes, voltadas mais para o emocionalismo, o subjetivismo. São verdadeiros anestésicos espirituais. São alheias à realidade do povo sofredor, injustiçado, excluído. São músicas desvinculadas do verdadeiro profetismo, não anunciam nem denunciam. Não evangelizam. Funcionam mais como sedativos espirituais. O pior é que fazem um sucesso danado. E toma fama e dinheiro.
E o mercado religioso, hein? Será que para alguns, a religião cristã não se tornou fonte inesgotável de enriquecimento? Ora, como é notório, muitos usam indevidamente, irresponsavelmente, o nome de Jesus para ludibriar a consciência dos féis e, com isso, explorá-los financeiramente. É o mercado religioso funcionando a todo vapor. Há mercadoria para todo gosto.
Não vai demorar para ser criado o banco do Senhor. Quem sabe, alguns ousados, metidos a cristãos, criarem o banco de Jesus com os seguintes dizeres: aqui o seu investimento tem retorno: milagres, curas, prosperidade, vida longa, felicidade e garantia de vida eterna. Invista em nome do Senhor Jesus. 
E o estrelato, hein? Quem conta ou aparece não é Jesus, o profeta do reino, mas o famoso, a "estrela”. Agora virou moda. Quer ficar famoso, conhecido? Grave um cd, escreva livros (livros também alienantes), fale com elegância, use roupa especial, apareça na TV, e pronto. O sucesso está garantido. Para isso, não falta marketing. A elite "caridosa” adora aplaudir esses líderes. Para ela, esses são os verdadeiros missionários de Deus.
O que tem de gente religiosa famosa, brilhando nos palcos holofotizados, ganhando dinheiro à custa do nome de Jesus não é brincadeira. As suas músicas e pregações são alienantes, a-históricos. É um espiritualismo exacerbado fora de sério. O pior é que muita gente adora essas "estrelas” da religião. 
Onde fica a fé libertadora, encarnada, historicizada? Onde, afinal, está o verdadeiro anúncio do Reino? O Reino que era o núcleo central de toda pregação de Cristo? Não há mais profetismo? O anúncio e a denúncia desapareceram? O Jesus histórico, libertador, não é mais referencial? Seu Evangelho de anuncio e libertação não vale para os tempos atuais? 
Uma coisa é certa: o Jesus profeta, libertador, desapareceu para dar lugar a um Jesus distante, insensível, apático, passivo, descompromissado, que não está nem aí com o clamor pungente dos sofridos e maltratados filhos de Deus. Logicamente, a burguesia, a elite, a classe dominante, só tem a bater palmas para esse cristianismo estéril, inócuo. 
Para os que estão descaracterizando o evangelho, vale estas palavras do grande teólogo da Teologia da Libertação, Padre Jon Sobrino, no seu livro Descer da Cruz: "Jesus morreu na cruz, não porque Deus exigia o seu sacrifício, mas "por anunciar a esperança aos pobres e denunciar seus opressores” (p.318)”.
  
Essa foi presente de amigo meu.

      Cá com os meus botões...                           
                    Nem tanto nem tão pouco.                 Mas que gostei, gostei, gostei!


Um comentário:

  1. Oi, caro amigo:

    Na Quarta de Paz do dia 15 de abril, a conversa girou em torno dessa questão. O tema era: Igreja e Sociedade - uma história de serviço ao Maranhão. Pe. João Maria e Helena fizeram uma retrospectiva história da caminhada profética e o arrefecimento que acontece hoje. Os cantos que louvam, mas não seguem Jesus. Em toda essa caminhada histórica, vimos a Igreja de São João dos anos 70, que celebrou a Declaração Universal dos Direitos Humanos de sua escadaria, cantando Prá não dizer que não falei de Flores.Lembramos tanta gente, tantos meninos, tantos padres, tanta vida em meio a tudo isso. E agora? Proposta dos participantes: vamos levar a síntese desta noite para as comunidades para resgatarmos e construirmos um projeto de libertação.

    ResponderExcluir