305 etnias e
274 línguas: estudo revela riqueza cultural entre índios no Brasil
Há mais indígenas
em São Paulo do que no Pará ou no Maranhão. O número de indígenas que moram em áreas urbanas
brasileiras está diminuindo, mas crescendo em aldeias e no campo. O percentual
de índios que falam uma língua nativa é seis vezes maior entre os que moram em
terras indígenas do que entre os que vivem em cidades.
A reportagem é
de João Fellet e publicada
por BBC Brasil, 03-07-2016.
As conclusões
integram o mais detalhado estudo já feito pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística) sobre os povos indígenas brasileiros,
baseado no Censo de 2010 e lançado nesta semana.
Segundo o
instituto, há cerca de 900 mil índios no Brasil, que se dividem entre 305
etnias e falam ao menos 274 línguas. Os dados fazem do Brasil um dos
países com maior diversidade sociocultural do planeta. Em comparação, em todo o
continente europeu, há cerca de 140 línguas autóctones, segundo um estudo
publicado em 2011 pelo Instituto de História Europeia.
No Caderno
Temático: Populações Indígenas, o IBGE faz um mapeamento inédito
sobre a localização desses povos e sua movimentação ao longo das últimas
décadas.
O estudo diz que,
entre 2000 e 2010, os percentuais de indígenas brasileiros que vivem nas
regiões Sul e Sudeste caíram, enquanto cresceram nas outras regiões. A região
Norte abriga a maior parcela de índios brasileiros (37,4%), seguida pelo
Nordeste (25,5%), Centro-Oeste (16%), Sudeste (12%) e Sul (9,2%).
Entre 2000 e 2010,
também caiu o percentual de indígenas que moram em áreas urbanas, movimento
contrário ao do restante da população nacional.
'Retomadas'
Segundo a
pesquisadora do IBGE Nilza Pereira, autora do texto que acompanha o estudo, uma das
hipóteses para a redução no percentual de indígenas no Sul, Sudeste e em
cidades são os movimentos de retorno a terras tradicionais.
Nas últimas
décadas, intensificaram-se no país as chamadas "retomadas", quando indígenas
retornam às regiões de origem e reivindicam a demarcação desses territórios. Em
alguns pontos, como no Nordeste e em Mato Grosso do Sul, muitos ainda aguardam
a regularização das áreas, em processos conflituosos e contestados
judicialmente.
Em outros casos,
indígenas podem ter retornado a terras que tiveram sua demarcação concluída.
Hoje 57,7% dos índios brasileiros vivem em terras indígenas.
Outra
possibilidade, segundo Pereira, é que no Sul, Sudeste e nas cidades muitas
pessoas que se declaravam como indígenas tenham deixado de fazê-lo.
Ainda que sua
população indígena esteja em declínio, a cidade de São Paulo ocupa o quarto
lugar na lista de municípios brasileiros com mais índios, com 13 mil. Parte do
grupo vive em aldeias dos povos Guarani Mbya nos arredores da cidade, em
territórios ainda em processo de demarcação.
O ranking é
encabeçado por São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas. O município
abriga 29 mil indígenas e foi o primeiro do país a aprovar como línguas
oficiais, além do português, três idiomas nativos (tukano, baniwa e nheengatu).
O estudo mostra
como morar numa terra indígena influencia os indicadores socioculturais dos
povos. Entre os índios que residem nessas áreas, 57,3% falam ao menos uma
língua nativa, índice que cai para 9,7% entre indígenas que moram em cidades.
Mesmo no Sul,
região de intensa colonização e ocupação territorial, 67,5% dos índios que
vivem em terras indígenas falam uma língua nativa, número só inferior ao da
região Centro-Oeste (72,4%).
A taxa de
fecundidade entre mulheres que moram em terras indígenas
também é significativamente maior que entre as que vivem em cidades. Em terras
indígenas, há 74 crianças de 0 a 4 anos para cada 100 mulheres, enquanto nas
cidades há apenas 20.
Para Nilza
Pereira, do IBGE, ao mostrar detalhes sobre indígenas de diferentes
pontos do país, o estudo será útil para o planejamento de políticas públicas
diferenciadas para esses povos. Os dados também foram usados na elaboração de
vários mapas, que compõem o "Atlas Nacional do Brasil Milton Santos".
Cultura indígena
O ativista indígena
Denilson Baniwa, cofundador da Rádio Yandê, diz à BBC Brasil que o
estudo ajuda a combater a falta de conhecimento sobre os povos indígenas no
Brasil.
Baniwa, que mora no Rio de Janeiro e é publicitário, diz se deparar
frequentemente com pessoas que acham que "o indígena ainda é aquele de
1500". Segundo o ativista, muitos questionam por que ele se considera
indígena mesmo falando português ou usando o computador em seu trabalho.
Denilson Baniwa |
"Respondo que
cultura não é algo estático, que ela vai se adaptando com o tempo. E pergunto a
eles por que não vestem as mesmas roupas usadas pelos portugueses em 1500, por
que não falam aquele mesmo português e por que não usam computadores de
1995."
Para Baniwa,
há ainda grande desconhecimento sobre as enormes diferenças culturais entre os
povos indígenas brasileiros. Ele exemplifica citando dois povos de sua terra
natal (a região do rio Negro, no Amazonas), os baniwa e os tukano.
"Comparar um
baniwa a um tukano é como comparar um francês a um japonês. São povos com
línguas, hábitos e características físicas bastantes distintas, e isso porque
vivem bem próximos. Imagine a diferença entre um baniwa e um kaingang, um povo
lá do Rio Grande do Sul?"
Ao mesmo tempo em que
combate o preconceito contra indígenas que, como ele, moram em cidades, Baniwa
afirma que cada povo deve ser livre para decidir como quer se relacionar com o
resto da sociedade.
"Se um povo
entender que o contato com o mundo moderno não será benéfico e que prefere
ficar mais isolado em sua terra, vamos lutar para que essa decisão seja
respeitada."
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