sexta-feira, 23 de março de 2012

São Romero de América, Pastor e Mártir nosso

            O anjo do Senhor anunciou na véspera...

 
                    
            O coração de El Salvador marcava
            24 de março e de agonia.
            Tu ofertavas o Pão,
            o Corpo Vivo
            -o triturado corpo de teu Povo;
            Seu derramado Sangue vitorioso
            -o sangue «campesino» de teu Povo em massacre,
            que há de tingir em vinhos de alegria a aurora conjurada!
            
            O anjo do Senhor anunciou na véspera,
            e o Verbo se fez morte, outra vez, em tua morte;
            como se faz morte, cada dia, na carne desnuda de teu Povo.
            
            E se fez vida nova
            em nossa velha Igreja!
            
            Estamos outra vez em pé de testemunho,
            São Romero de América, pastor e mártir nosso!
            Romero de uma paz quase impossível nesta terra em guerra.
            Romero em flor morada da esperança incólume de todo o Continente.
            Romero da Páscoa latino-americana.
            Pobre pastor glorioso, assasinado a soldo, a dólar, a divisa.
            
            Como Jesus, por ordem do Império.
            Pobre pastor glorioso,
            abandonado
            por teus próprios irmãos de báculo e de Mesa...!
            (As cúrias não podiam entender-te:
            nenhum sinagoga bem montada pode entender a Cristo).
            
            Tua «pobreria» sim te acompanhava,
            em desespero fiel,
            pasto e rebanho, a um tempo, de tua missão profética.
            O Povo te fez santo.
            A hora do teu Povo te consagrou no kairós.
            Os pobres te ensinaram a ler o Evangelho.
            
            Como um irmão ferido por tanta morte irmã,
            tu sabias chorar, a sós, no Horto.
            Sabias ter medo, como um homem em combate.
            Porem sabias dar à tua palavra, livre, o seu timbre de sino!
            
            E soubeste beber o duplo cálice do Altar e do Povo,
            com uma só mão consagrada ao serviço.
            América Latina já te elevou à glória de Bernini
            na espuma-aureola de seus mares,
            no retábulo antigo de seus Andes alertas,
            no dossel irado de todas as suas florestas,
            na cantiga de todos os seus caminhos,
            no calvário novo de todos os seus cárceres,
            de todas as suas trincheiras,
            de todos os seus altares...
            Na ara garantida do coração insone de seus filhos!
            
            São Romero de América, pastor e mártir nosso:
            ninguém há de calar tua última homilia!
            
            Pedro Casaldáliga


a quem interessa apagar esta memória?

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